terça-feira, 3 de abril de 2007

As contradições do etanol

Eduardo Sales de Lima, da redação.

O presidente estadunidense, George W. Bush, desembarcará no Brasil, em 8 de março, entoando a necessidade de ampliar os negócios do etanol (álcool combustível) entre os dois países. Além do conteúdo geopolítico do seu giro pela América do Sul – a tentativa de isolar Hugo Chávez (Venezuela) e recompor a influência estadunidense na região –, Bush apresentará ao presidente Lula uma proposta para colocar o Brasil ainda mais na órbita da economia estadunidense: a criação de um mercado global para o etanol.

Bush está propondo que os Estados Unidos reduzam o consumo de gasolina em 20% até 2017 e sugere uma parceria estratégica com o Brasil neste sentido. A iniciativa animou o governo brasileiro e, de certa forma, está em sintonia com os esforços de ampliar as exportações por meio do agronegócio. Não é de hoje que diplomatas tentam reduzir as barreiras na Organização Mundial do Comércio (OMC) para vender o açúcar e de álcool. Estados Unidos e Brasil possuem as duas maiores empresas produtoras de álcool: ADM e Copersucar, respectivamente.

A idéia da parceria, como era esperado, foi bem recebida pela mídia corporativa e agradou os setores conservadores. Para os Estados Unidos, a expansão do uso do etanol poderia representar um contraponto ainda à dependência do país de combustíveis fósseis. Segundo afirmaram integrantes do governo Bush, seria uma forma de contrabalancear a força política que estão demonstrando países com fartas reservas de petróleo e adversários das políticas estadunidenses, como Venezuela e Irã.

Noves fora o xadrez geopolítico, especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato denunciam o custo social e ambiental da expansão da monocultura de cana-de-açúcar - algo que, aliás, remete ao processo colonizatório do país. "O impacto será grande. Estão previstas dezenas de usinas, com destaque para a porção Oeste do Estado de São Paulo e, especialmente no Pontal do Paranapanema, onde as terras são baratas pelo fato de serem griladas", avalia o geógrafo e coordenador do Grupo de Trabalho Desenvolvimento Rural do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (Clacso), Bernardo Mançano Fernandes.

Cultura em expansão

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, entre os anos 2005 e 2006, a área plantada passou de 5,62 para 7,04 milhões de hectares plantados, e a produção, de 420 para 460 toneladas de cana-de-acúcar. Segundo a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (UNICA), a produção da planta aumentará cerca de 50% durante os próximos seis anos. Até o 2012, devem ser construídas mais de 70 usinas por todo o Brasil, sendo a maior parte em São Paulo. Atualmente, existem 363 cadastradas no país. São Paulo aparece com 170, seguido do Paraná, com 29 e Pernambuco e Alagoas, que contabilizam 26 usina cada.

"Historicamente, a produção de açúcar está associada com o trabalho escravo de índios e negros", afirma Plácido Júnior, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Pernambuco. Segundo dados da Comissão Pastoral do Migrante (CPM), desde 2004 foram 15 óbitos, só no estado de São Paulo. A maioria é de migrantes de Minas Gerais e do Nordeste, quase todas relacionadas ao excesso de trabalho em usinas e canaviais. (Leia mais aqui sobre a Exploração do trabalhador na cultura de cana-de-açúcar)

"Em Pernambuco, 18 famílias controlam toda a produção de cana. Juntas, acumulam 4 bilhões de dólares de dívida pública", denuncia o coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Pernambuco, Plácido Júnior. Para Bernardo Mançano, a territorialização da cana criará uma nova questão agrária. "A luta pela reforma agrária vai se expandir em luta pela defesa da agricultura camponesa e esta em uma luta territorial, para defender as terras do poder destrutivo do agronegócio da cana. Hoje o setor da cana controla cinco milhões de hectares. Poderá dobrar esta área", adverte Mançano.

A monocultura e a manutenção do poder dos grandes empresários do setor em detrimento da agricultura familiar têm tudo para crescer. O interesse dos Estados Unidos pode acarretar também um processo de desnacionalização do setor. Figuras como o fundador da Microsoft, Bill Gates, os donos da Google, Larry Page e Sergey Brin, e o investidor húngaro George Soros estão dispostos a investir pesado nas usinas de cana, de acordo com a Revista Exame.

Mais latifúndios

"Sem dúvidas, com a territorialização da cana, ocorrerá uma intensificação da concentração de terras. Isso vai significar a expropriação de milhares de pequenas propriedades", aponta o geógrafo. Para ele, o poder do agronegócio da cana reúne as vantagens necessárias para sua expansão: cria as regras e controla as políticas da produção. "A única coisa que pode abalar esse processo é a crise econômica do próprio setor sucro-alcooleiro, principalmente em escala internacional. Todavia, acaba de sair de uma crise e se encontra em ascensão com as perspectivas de crescimento dos mercados de biocombustíveis", explica o membro da Clacso, ressaltando que tal setor só pode ser comparado à monocultura de árvores quanto a sua rentabilidade.

O fato é que a força política dos empresários sucroalcooleiros influencia os governos. Segundo Mançano, a expropriação das pequenas propriedades tende ser interpretada como uma etapa natural das transformações da agricultura. "É preciso repensar esse processo, construir leituras que demonstrem as condições expropriatórias e intensamente destrutivas do agronegócio da cana", afirma o geógrafo.

A terceirização da produção de cana-de-acúcar é outro aspecto crítico. Segundo a socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva, enquanto as usinas antigas também possuem as terras do plantio, as atuais arrendam-nas. "Essas usinas que se instalam, inclusive as estrangeiras, financiadas pelo BNDES com juros baixíssimos, não compram terras, só a planta industrial. Há pequenos, médios e grandes fornecedores", diz a socióloga. Segundo Aparecida, é comum no Estado de São Paulo, ao lado do fornecedor proprietário, a figura do arrendatário, responsável pela produção da cana-de-açúcar.

Bernardo Mançano acredita que a terceirização das terras pode contribuir para a intensificação da concentração nas mãos dos grandes latifundiários, mas que as velhas oligarquias estão deslocadas do processo de formação do agronegócio. "Elas podem persistir na pecuária, mas não na cana, podem ganhar com o arrendamento da terra, mas isto não lhes dá mais poder, apenas garante sua manutenção", explica o membro da Clacso.

Meio Ambiente

Já os impactos ao meio ambiente estão sendo ignorados pelos que defendem a substituição do peltróleo pelo álcool combustível como medida para reduzir o aquecimento global. Um dos processos de produção mais comuns é a queima da palha do canavial, para facilitar o corte manual e aumentar a produtividade do cortador de cana. Essa prática reduz custos de transporte e aumenta a eficiência das moendas nas usinas. No entanto, a queima libera gás carbônico, ozônio, gases de nitrogênio e de enxofre (responsáveis pelas chuvas ácidas) e provoca perdas significativas de nutrientes para as plantas, além de facilitar o aparecimento de ervas daninhas e a erosão. Como opção às queimadas, responsáveis por boa parte das mortes dos cortadores por meio da inalação de gazes cancerígenos, a mecanização pode ser extremamente prejudicial ao solo, pois o comprime, não permitindo a entrada de oxigênio.

Os efluentes do processo industrial da cana-de-açúcar também prejudicam a natureza. Sem o devido tratamento, os dejetos lançados nos rios comprometem a sobrevivência de diversos seres aquáticos "Hoje, nem os mananciais dos rios preservados", atesta Aristides dos Santos, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape). Ele afirma que praticamente toda a Mata Atlântica nordestina foi dizimada pelos donos dos canaviais. "Na entresafra, queremos que o governo do Estado de Pernambuco, comece a trabalhar nas áreas de mananciais com os trabalhadores desempregados em atividades de proteção ambiental", completa. Além disso, como toda monocultura, a plantação da cana em larga escala diminui a diversidade biológica e empobrece o solo.

Fonte: Agência Brasil de Fato (22/2/2007)

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