quarta-feira, 10 de outubro de 2007
OBSERVATÓRIO DA CANA-DE-AÇÚCAR
Introdução
São Paulo como Estado mais populoso e industrializado do país possui, entre outras características, um importante setor agropecuário.
São José do Rio Preto e os municípios de sua microrregião representam um dos pólos dinâmicos de desenvolvimento do Estado. Destaca-se a produção de cana-de-açúcar que sozinha tem um terço de toda a área ocupada pelo agronegócio, quando excluídas as pastagens.
Rio Preto constitui-se como pólo regional de assistência médica e centro de referência para os municípios vizinhos e também para cidades e regiões de outros Estados. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do município é considerado alto de acordo com os critérios da ONU (0,834 pontos).
Essa microrregião, campo de estudo do Projeto Observatório, é composta por 29 municípios que somam aproximadamente 740 mil habitantes.
Alguns dados do padrão de desenvolvimento regional permitem compreender os desafios a serem enfrentados pelos estudos e diagnósticos propostos e pelas instâncias governamentais, das três esferas, que atuam na região:
• O município pólo – São José do Rio Preto - segundo dados da SEADE, apresenta bons indicadores de desenvolvimento social. A taxa de mortalidade infantil (por mil nascidos vivos) é de 10,17, enquanto a do Estado é de 13,44 e a da Região Administrativa de São José do Rio
Preto (RA-SJRP) é de 10,66 (dados 2005);
• O coeficiente (por mil habitantes) de médicos registrados no CRM/SP é de 4,40, sendo o do Estado 2,11 e o da RA-SJRP 2,08 (dados 2004);
• O coeficiente (por mil habitantes) de leitos do SUS é de 3,04 quando o do Estado é de 1,97 e o da RA-SJRP de 3,04;
• O fenômeno da migração rural-urbana tem-se verificado intensamente na região ao longo dos últimos 20 anos. Segundo dados da Secretaria de Planejamento do Município, a população de Rio Preto aumenta cerca de 9.000 pessoas todos os anos, sendo que 88% são migrantes. O fenômeno da migração interna desencadeia a transferência de contingentes populacionais de regiões mais pobres para aquelas onde há crescimento da economia urbano-industrial. Nos municípios verificam-se movimentos de populações fixas e sazonais inflando sobremaneira a demanda por atendimentos de serviços públicos (saúde, transporte, saneamento, etc.);
• Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, o atendimento em Saúde em Rio Preto tem enfrentado alta taxa de crescimento da demanda. Não tanto nos Procedimentos de Atenção Básica do serviço municipal que evoluíram de 2,66 milhões de procedimentos em 2.000 para 2,86 milhões em 2.006, com crescimento de 7,5% no período. Porém no que diz respeito aos Procedimentos Especializados onde atuam profissionais da rede municipal e do Hospital Universitário (estadual) a evolução foi muito mais significativa. A Gestão Plena Municipal realizou 1,2 milhão de procedimentos em 2000 passando para 2,0 milhões em 2006; o HU passou de 1,7 milhão em 2000 para 2,1 milhões em 2006, com taxas de crescimento no período de 67% e 24% respectivamente;
• As políticas públicas na área habitacional têm suprido a maior parte das moradias populares, cuja ocupação tem alta percentagem de trabalhadores rurais, sendo grande parte empregada no setor sucroalcooleiro;
• Algumas práticas agrícolas utilizadas na região provocam impactos sócio-ambientais significativos, com destaque para os efeitos na saúde coletiva. As queimadas e a fertirrigação com vinhoto poluem o ar, a água e o solo;
• As principais ameaças à degradação ambiental da região podem ser exemplificadas pela vulnerabilidade à poluição dos aqüíferos e a suscetibilidade a processos erosivos;
• O intenso uso de águas superficiais para irrigação e a grande exploração de águas subterrâneas para abastecimento público criam riscos de escassez do recurso para diversos usos em futuro não muito distante;
• Nos últimos 10 anos, a frota de ônibus intermunicipais que ligam as demais cidades da região a Rio Preto aumentou 50%; e
• Dos municípios da região provém grande parte dos alunos matriculados em cursos noturnos existentes na cidade-pólo.
O Projeto “Observatório da Cana-de-Açúcar” (Observatório para o Monitoramento dos Impactos Socioeconômicos, Ambientais e na Saúde Coletiva Associados à Ampliação do Setor Sucroalcooleiro na Microrregião de São José do Rio Preto-SP)
A cultura da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo ocupa 3,8 milhões de hectares, segundo dados do Instituto de Economia Agrícola e da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, para a safra 2005/06, tendo crescido 5,5% com relação à 2004/05. Do total de cana produzida no Estado, 6,7% são da região de São José do Rio Preto.
Com o advento de problemas cada vez mais agudos que afetam a produção e a distribuição de petróleo em escala mundial, as atenções voltam-se em larga medida e com maior intensidade para a produção do etanol (álcool combustível extraído da cana-de-açúcar, do milho e de outros produtos agrícolas), num primeiro momento para ser misturado aos combustíveis derivados do petróleo e, provavelmente no futuro, para sua completa substituição. O aumento da demanda pelo etanol tem despertado crescentes interesses econômicos tanto dos atuais produtores como de novos investidores em busca de oportunidades, o que vem estimulando o aumento da produção de cana-de-açúcar – e o conseqüente incremento da área plantada – voltada para esse objetivo.
Em graus variados e dependendo das características próprias de cada região, a cana tem o forte potencial de substituir outras atividades, podendo criar estrangulamentos e crises em vários setores de abastecimento, particularmente naqueles que produzem bens de primeira necessidade para o consumo das populações urbanas, além dos efeitos sistêmicos que uma crise do setor sucroalcooleiro pode provocar sobre os negócios que dele direta e indiretamente dependem.
Antecipando-se aos impactos advindos da expansão do setor sucroalcooleiro no noroeste do Estado de São Paulo, vários órgãos e instituições da região de São José do Rio Preto abaixo identificadas reuniram-se para a criação de um organismo, ainda sem personalidade jurídica própria, que já tem, a partir de recursos humanos e materiais disponibilizados pelos seus
criadores, um endereço definido. Permitiu-se assim a instalação de um escritório operacional, com equipamentos e instrumentos de trabalho, que reunirá material de estudo e pesquisa, além de pessoas interessadas em melhor compreender a situação, desenvolvendo atividades na busca de soluções para vários problemas que tendem a agravar-se a cada dia.
A finalidade do projeto “Observatório da Cana-de-açúcar” consiste em:
1. Elaboração de projetos de pesquisa para levantamento de dados e realização de estudos e diagnósticos dos impactos – econômicos, sociais, urbanos e ambientais – causados pela expansão da produção da cana-de-açúcar;
2. Formulação e estruturação de políticas públicas e privadas, visando a mitigação dos problemas derivados de tais impactos, a serem implementadas pelos organismos das várias esferas de governo que atuam na região;
3. Organização e disponibilização de dados e informações que possibilitem a capacitação de profissionais de serviços públicos – de entidades governamentais e privadas – que atuam na região, através de cursos presenciais e a distância, de seminários, de publicações e outros mecanismos possíveis ao alcance dos interessados;
4. Criação de fóruns permanentes que articulem as instituições e entidades interessadas no desenvolvimento sustentado da região;
5. Assessoramento às entidades públicas e privadas que tenham por finalidade desenvolver e/ou implementar políticas públicas e privadas voltadas para o enfrentamento de questões sócio-ambientais; e
6. Busca de recursos para viabilizar e desenvolver atividades voltadas ao conhecimento das questões ligadas à degradação das condições de vida da população local, encaminhando propostas de ações e intervenções visando à sua melhoria.
O Estado da Arte do “Observatório da Cana-de-açúcar”
Como já foi dito, o Observatório foi criado por proposta conjunta de várias instituições que atuam na região. Tem por objetivo pesquisar, desenvolver estudos e diagnósticos e, de posse de dados e avaliações da situação existente, propor e participar da elaboração de políticas públicas com as prefeituras e outros órgãos estatais com presença regional, bem como realizar intenso intercâmbio com entidades e empresas da iniciativa privada, sempre tendo como foco a mitigação e/ou resolução dos problemas gerados pela expansão da cana-de-açúcar.
Nos últimos anos têm-se verificado impactos de toda ordem na região. Os sócioeconômicos, os ambientais e outros de grande vulto na saúde coletiva. Os parceiros que atuam em articulação com o Observatório estão em processo de definição de suas respectivas linhas de pesquisa. Algumas linhas já definidas são:
1. A aquisição pela Cetesb de um Amostrador Dicotômico usado para estudar a composição do material particulado. Instalado há pouco em Rio Preto seus dados serão de grande valia para o fomento de várias pesquisas na área da poluição do ar;
2. A FATEC, que em 2008 inicia um novo curso voltado para o agro-negócio, realizará várias pesquisas voltadas para a produção e a mecanização do setor sucroalcooleiro;
3. Na Famerp há algumas linhas em processo de concepção que no futuro se juntarão a outras já consagradas e abaixo descritas:
3.1. Medição e avaliação dos indicadores biológicos de qualidade das águas para HPA (hidrocarbonetos policlínicos aromáticos), principal fonte de contaminação dos lençóis freáticos;
3.2. Os impactos demográficos e sócioeconômicos e suas conseqüências na saúde coletiva e na oferta de serviços pela rede pública e privada;
3.3. Em associação com pesquisadores da USP, da área de doenças cardio-respiratórias, realizar-se-ão estudos detalhados sobre os efeitos para a saúde do trabalhador que atua no corte manual da cana, provocados pelas queimadas e pelo uso de agrotóxicos noprocesso de produção.
Verifica-se assim que o “Observatório da Cana-de-açúcar” transformar-se-á brevemente em pólo gerador de importantes conhecimentos sobre o setor, criando bases de dados e capacitando profissionais para conceber, planejar, elaborar e implementar políticas públicas de largo alcance social.
Instituições Participantes do Observatório
• DESC - Departamento de Epidemiologia e Saúde Coletiva da FAMERP – Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto;
• Prefeitura Municipal de São José do Rio Preto;
• Secretaria de Planejamento e Gestão Estratégica do Município de São José do Rio Preto;
• Secretaria de Saúde e Higiene do Município de São José do Rio Preto;
• Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo do Município de São José do Rio Preto;
• UNESP – Universidade Estadual Paulista (IBILCE – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas) de São José do Rio Preto;
• Laboratório Experimental de Poluição do Ar da Faculdade de Medicina da USP;
• Grupo de Doenças Ambientais e Ocupacionais da Disciplina de Pneumologia – Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da USP;
• CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental;
• DAIA – Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental da CETESB;
• Grupo de Fisiopatologia Respiratória e Poluição Ambiental da Escola Paulista de Medicina - Unifesp
• FATEC - Faculdade de Tecnologia de São José do Rio Preto do Centro de Educação Tecnológica Paula Souza
• FAPERP – Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de São José do Rio Preto.
Municípios Integrantes da Microrregião de São José do Rio Preto em Ordem Alfabética:
1. Adolfo: 3.591 habitantes (2007) - 211 km² (área total do município)
2. Altair: 3.253 hab. - 316 km²
3. Bady Bassit: 12.674 hab. - 110 km²
4. Bálsamo: 7.720 hab. - 150 km²
5. Cedral: 7.563 hab. - 198 km²
6. Guapiaçu: 16.292 hab. - 325 km²
7. Guaraci: 9.027 hab. - 639 km²
8. Ibira: 10.179 hab. - 271 km²
9. Icém: 6.021 hab. - 363 km²
10. Ipiguá: 3.780 hab. - 136 km²
11. Jaci: 4.957 hab. - 144 km²
12. José Bonifácio: 30.615 hab. - 859 km²
13. Mendonça: 3.963 hab. - 195 km²
14. Mirassol: 49.477 hab. -244 km²
15. Mirassolândia: 4.099 hab. - 166 km²
16. Nova Aliança: 4.888 hab. - 218 km²
17. Nova Granada: 17.479 hab. - 532 km²
18. Olímpia: 48.004 hab. - 804 km²
19. Onda Verde: 3.736 hab. - 243 km²
20. Orindiuva: 4.916 hab. - 248 km²
21. Palestina: 9.972 hab. - 695 km²
22. Paulo de Faria: 8.832 hab. - 741 km²
23. Planalto: 4.005 hab. - 290 km²
24. Potirendaba: 13.930 hab. - 342 km²
25. São José do Rio Preto: 415.508 hab. - 431 km²
26. Tanabi: 23.377 hab. - 745 km²
27. Ubarana: 4.535 hab. - 210 km²
28. Uchoa: 9.265 hab. - 252 km²
29. Zacarias: 2.229 hab. - 319 km²
Escritório Operacional do Observatório da Cana-de-açúcar:
FAMERP – Av Brigadeiro Faria Lima, 5416 Vila São Pedro –
São José do Rio Preto – SP CEP: 15090-000
Fone: (17) 3201.57.18
E-mail: observatoriodacana@yahoo.com.br
quinta-feira, 4 de outubro de 2007
Atrás das cortinas no teatro do etanol
Maria Aparecida de Moraes Silva
NOS ÚLTIMOS dias, os diversos meios de comunicação deram cobertura às viagens do presidente da República aos países europeus e aos EUA. Neste último, ao discursar na 62ª Assembléia Geral da ONU, ele defendeu, mais uma vez, o argumento dos biocombustíveis como solução para os problemas climáticos do planeta.
Na mesma ocasião, segundo reportagem desta Folha (Brasil, 26/9), o chanceler da República, Celso Amorim, rebateu a tese de que a produção de alimentos é afetada pelo crescimento da cultura canavieira para a produção do etanol, citando o exemplo do Estado de São Paulo.
Essa última afirmativa, no entanto, vai na contramão dos dados oficiais do Instituto de Economia Agrícola, que apontam para a diminuição das áreas de 32 produtos agrícolas, dentre eles: arroz (10%), feijão (13%), milho (11%), batata (14%), mandioca (3%), algodão (40%) e tomate (12%), sem contar a redução de mais de 1 milhão de bovinos e a queda da produção de leite no período 2006-2007.
Diante desses discursos, proponho-me a trazer ao palco do teatro do etanol os atores até então deixados atrás das cortinas: os trabalhadores rurais, os cortadores de cana dos canaviais paulistas. O que eles querem é só um "dedinho de prosa" com o presidente. Num diálogo imaginário, eles relatariam as "coisinhas simples" do cotidiano, do trabalho, da vida, enfim.
Na sua grande maioria, são migrantes provenientes dos Estados do Nordeste e do norte de Minas Gerais (em torno de 200 mil, segundo a Pastoral do Migrante). São homens, jovens entre 16 e 35 anos de idade.
Durante oito meses ao ano, permanecem nas cidades-dormitório em pensões (barracos) ou nos alojamentos encravados no meio dos canaviais. Divididos em turmas nos atuais 4,8 milhões de hectares dos canaviais paulistas, são invisíveis aos olhos da grande maioria da população, exceto pelos viajantes das estradas que os vêem enegrecidos pela fuligem da cana queimada, chegando, até mesmo, a ser confundidos com elas.
São submetidos a duro controle durante a jornada de trabalho. São obrigados a cortar em torno de dez toneladas de cana por dia. Caso contrário, podem: perder o emprego no final do mês, ser suspensos, ficar de "gancho" por ordem dos feitores (sic) ou, ainda, ser submetidos à coação moral, chamados de "facão de borracha", "borrados", fracos, vagabundos.
A resposta a qualquer tipo de resistência ou greve é a dispensa. Durante o trabalho, são acometidos pela sudorese em virtude das altas temperaturas e do excessivo esforço, pois, para cada tonelada de cana, são obrigados a desferir mil golpes de facão. Muitos sofrem a "birola", as dores provocadas por câimbras.
Os salários pagos por produção (R$ 2,5 por tonelada) são insuficientes para lhes garantir alimentação adequada, pois, além dos gastos com aluguéis e transporte dos locais de origem até o interior de São Paulo, são obrigados a remeter parte do que recebem às famílias.
As conseqüências desse sistema de exploração-dominação são:
- de 2004 a 2007, ocorreram 21 mortes, supostamente por excesso de esforço durante o trabalho, objeto de investigação do Ministério Público;
- minhas pesquisas em nível qualitativo na macrorregião de Ribeirão Preto apontam que a vida útil de um cortador de cana é inferior a 15 anos, nível abaixo dos negros em alguns períodos da escravidão.
Constatei as seguintes situações de depredação da saúde: desgaste da coluna vertebral, tendinite nos braços e mãos em razão dos esforços repetitivos, doenças nas vias respiratórias causadas pela fuligem da cana, deformações nos pés em razão do uso dos "sapatões" e encurtamento das cordas vocais devido à postura curvada do pescoço durante o trabalho.
Além dessas constatações empíricas, as informações recentes do INSS para o conjunto do Estado de São Paulo, no período de 1999 a 2005, são:
- o total de trabalhadores rurais acidentados por motivo típico nas atividades na cana-de-açúcar foi de 39.433; por motivo relacionado ao trajeto, o total correspondeu a 312 ocorrências; - quanto às conseqüências, os números totais para o período são: - assistência médica: 1.453 casos;
- incapacidade inferior a 15 dias: 30.465 casos;
- incapacidade superior a 15 dias: 8.747 casos;
- incapacidade permanente: 408 casos; - óbitos: 72 casos.
Nesse momento, os atores saem do palco e voltam para trás das cortinas. O presidente, ouvinte, sabe que eles falaram a verdade. Sertanejo não mente: esse é o código do sertão.
MARIA APARECIDA DE MORAES SILVA, doutora em sociologia pela Universidade de Paris 1 (França), é professora livre-docente da Unesp (Universidade Estadual Paulista). É autora de "A Luta pela Terra: Experiência e Memória", entre outras obras.
Fonte: Folha de S.Paulo (2/10/2007)
NOS ÚLTIMOS dias, os diversos meios de comunicação deram cobertura às viagens do presidente da República aos países europeus e aos EUA. Neste último, ao discursar na 62ª Assembléia Geral da ONU, ele defendeu, mais uma vez, o argumento dos biocombustíveis como solução para os problemas climáticos do planeta.
Na mesma ocasião, segundo reportagem desta Folha (Brasil, 26/9), o chanceler da República, Celso Amorim, rebateu a tese de que a produção de alimentos é afetada pelo crescimento da cultura canavieira para a produção do etanol, citando o exemplo do Estado de São Paulo.
Essa última afirmativa, no entanto, vai na contramão dos dados oficiais do Instituto de Economia Agrícola, que apontam para a diminuição das áreas de 32 produtos agrícolas, dentre eles: arroz (10%), feijão (13%), milho (11%), batata (14%), mandioca (3%), algodão (40%) e tomate (12%), sem contar a redução de mais de 1 milhão de bovinos e a queda da produção de leite no período 2006-2007.
Diante desses discursos, proponho-me a trazer ao palco do teatro do etanol os atores até então deixados atrás das cortinas: os trabalhadores rurais, os cortadores de cana dos canaviais paulistas. O que eles querem é só um "dedinho de prosa" com o presidente. Num diálogo imaginário, eles relatariam as "coisinhas simples" do cotidiano, do trabalho, da vida, enfim.
Na sua grande maioria, são migrantes provenientes dos Estados do Nordeste e do norte de Minas Gerais (em torno de 200 mil, segundo a Pastoral do Migrante). São homens, jovens entre 16 e 35 anos de idade.
Durante oito meses ao ano, permanecem nas cidades-dormitório em pensões (barracos) ou nos alojamentos encravados no meio dos canaviais. Divididos em turmas nos atuais 4,8 milhões de hectares dos canaviais paulistas, são invisíveis aos olhos da grande maioria da população, exceto pelos viajantes das estradas que os vêem enegrecidos pela fuligem da cana queimada, chegando, até mesmo, a ser confundidos com elas.
São submetidos a duro controle durante a jornada de trabalho. São obrigados a cortar em torno de dez toneladas de cana por dia. Caso contrário, podem: perder o emprego no final do mês, ser suspensos, ficar de "gancho" por ordem dos feitores (sic) ou, ainda, ser submetidos à coação moral, chamados de "facão de borracha", "borrados", fracos, vagabundos.
A resposta a qualquer tipo de resistência ou greve é a dispensa. Durante o trabalho, são acometidos pela sudorese em virtude das altas temperaturas e do excessivo esforço, pois, para cada tonelada de cana, são obrigados a desferir mil golpes de facão. Muitos sofrem a "birola", as dores provocadas por câimbras.
Os salários pagos por produção (R$ 2,5 por tonelada) são insuficientes para lhes garantir alimentação adequada, pois, além dos gastos com aluguéis e transporte dos locais de origem até o interior de São Paulo, são obrigados a remeter parte do que recebem às famílias.
As conseqüências desse sistema de exploração-dominação são:
- de 2004 a 2007, ocorreram 21 mortes, supostamente por excesso de esforço durante o trabalho, objeto de investigação do Ministério Público;
- minhas pesquisas em nível qualitativo na macrorregião de Ribeirão Preto apontam que a vida útil de um cortador de cana é inferior a 15 anos, nível abaixo dos negros em alguns períodos da escravidão.
Constatei as seguintes situações de depredação da saúde: desgaste da coluna vertebral, tendinite nos braços e mãos em razão dos esforços repetitivos, doenças nas vias respiratórias causadas pela fuligem da cana, deformações nos pés em razão do uso dos "sapatões" e encurtamento das cordas vocais devido à postura curvada do pescoço durante o trabalho.
Além dessas constatações empíricas, as informações recentes do INSS para o conjunto do Estado de São Paulo, no período de 1999 a 2005, são:
- o total de trabalhadores rurais acidentados por motivo típico nas atividades na cana-de-açúcar foi de 39.433; por motivo relacionado ao trajeto, o total correspondeu a 312 ocorrências; - quanto às conseqüências, os números totais para o período são: - assistência médica: 1.453 casos;
- incapacidade inferior a 15 dias: 30.465 casos;
- incapacidade superior a 15 dias: 8.747 casos;
- incapacidade permanente: 408 casos; - óbitos: 72 casos.
Nesse momento, os atores saem do palco e voltam para trás das cortinas. O presidente, ouvinte, sabe que eles falaram a verdade. Sertanejo não mente: esse é o código do sertão.
MARIA APARECIDA DE MORAES SILVA, doutora em sociologia pela Universidade de Paris 1 (França), é professora livre-docente da Unesp (Universidade Estadual Paulista). É autora de "A Luta pela Terra: Experiência e Memória", entre outras obras.
Fonte: Folha de S.Paulo (2/10/2007)
quarta-feira, 2 de maio de 2007
Avanço da cana concentra a produção nas grandes usinas
Da Redação
O avanço da plantação de cana-de-açúcar em São Paulo promove uma concentração da produção nas mãos de usinas e grandes fornecedores, eliminando pequenos produtores.
Pedro Ramos, professor e pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), diz que só 25% da cana moída pelas usinas é proveniente de fornecedores independentes. Os outros 75% são matéria-prima das usinas.
Com a expansão da produção de álcool, foram agregados novos produtores autônomos, mas cresceram também as áreas das usinas. Quem perdeu espaço foram os pequenos.
Há dez anos, 27,6% dos fornecedores de cana às usinas produziam até 4.000 toneladas. Na safra 2005/6, esse percentual recuou para 18%. Já os fornecedores com volume superior a 10 mil toneladas subiram de 53,2% para 64,9%, mostra a Orplana (reúne os plantadores do centro-sul).
O alto custo das terras, provocado pela própria expansão do plantio da cana, faz com que as usinas e grandes fornecedores prefiram arrendar terras em vez de comprá-las. Esse sistema poderá trazer grande concentração fundiária no futuro, diz o professor da Unicamp.
O arrendamento é remunerador, mas não deixa de ser um incentivo ao produtor para abandonar a propriedade. Quando o contrato não for mais favorável, esse produtor pode ter perdido a identidade com a terra, o que vai facilitar a venda da propriedade às usinas. Braz Albertini, da Fetaesp, que agrega os trabalhadores, diz que, "se a cana dá dinheiro, o pequeno produtor deve plantá-la ou arrendar parte da terra para seu plantio, mas não deve nunca sair de lá para não perder essa identidade com o campo". (MZ)
Fonte: Folha de S.Paulo (29/4/2007).
O avanço da plantação de cana-de-açúcar em São Paulo promove uma concentração da produção nas mãos de usinas e grandes fornecedores, eliminando pequenos produtores.
Pedro Ramos, professor e pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), diz que só 25% da cana moída pelas usinas é proveniente de fornecedores independentes. Os outros 75% são matéria-prima das usinas.
Com a expansão da produção de álcool, foram agregados novos produtores autônomos, mas cresceram também as áreas das usinas. Quem perdeu espaço foram os pequenos.
Há dez anos, 27,6% dos fornecedores de cana às usinas produziam até 4.000 toneladas. Na safra 2005/6, esse percentual recuou para 18%. Já os fornecedores com volume superior a 10 mil toneladas subiram de 53,2% para 64,9%, mostra a Orplana (reúne os plantadores do centro-sul).
O alto custo das terras, provocado pela própria expansão do plantio da cana, faz com que as usinas e grandes fornecedores prefiram arrendar terras em vez de comprá-las. Esse sistema poderá trazer grande concentração fundiária no futuro, diz o professor da Unicamp.
O arrendamento é remunerador, mas não deixa de ser um incentivo ao produtor para abandonar a propriedade. Quando o contrato não for mais favorável, esse produtor pode ter perdido a identidade com a terra, o que vai facilitar a venda da propriedade às usinas. Braz Albertini, da Fetaesp, que agrega os trabalhadores, diz que, "se a cana dá dinheiro, o pequeno produtor deve plantá-la ou arrendar parte da terra para seu plantio, mas não deve nunca sair de lá para não perder essa identidade com o campo". (MZ)
Fonte: Folha de S.Paulo (29/4/2007).
"Expulso" por pecuária e soja no NE, trabalhador busca canaviais
Da Redação
A expansão da cana no centro-sul está trazendo para São Paulo trabalhadores de regiões cada vez mais distantes. Antes proveniente de Minas Gerais e da Bahia, o novo migrante cortador de cana agora vem também do Maranhão e do Piauí.
Maria Aparecida de Moraes Silva, da Universidade Estadual Paulista, foi a esses dois Estados para pesquisar sobre esses novos trabalhadores. Uma das suas descobertas é que eles são vítimas do próprio setor sucroalcooleiro. Com a expansão da cana no centro-sul e a valorização das terras, a pecuária dessa região está indo para áreas do Maranhão.
A formação de novos pastos ocorre em áreas de babaçu, planta que dá sustento às famílias da região. Sem essa cultura regional, os trabalhadores são obrigados a vir para São Paulo para cortar cana. No Piauí, outra região alvo da pesquisa, os pequenos produtores são expulsos pelo cultivo da soja, produto que também foi em busca de áreas de menor preço devido à valorização no centro-sul.
A pesquisadora diz que a presença de cortadores de cana dessas regiões em SP é recente. Em 2000, o Maranhão mandou apenas uma centena de cortadores ao Estado. Nesta safra, apenas da pequena Timbiras virão 7.000 trabalhadores.
Eles são arrebanhados pelo "gato", pessoa responsável pela seleção e até o custeio da vinda a São Paulo. O "gato" é imprescindível nesse trabalho e faz a ponte entre o trabalhador e as empresas. No Maranhão, ele é chamado de "agente de viagem para Ribeirão Preto". (MZ)
Fonte: Folha de S.Paulo (29/4/2007).
A expansão da cana no centro-sul está trazendo para São Paulo trabalhadores de regiões cada vez mais distantes. Antes proveniente de Minas Gerais e da Bahia, o novo migrante cortador de cana agora vem também do Maranhão e do Piauí.
Maria Aparecida de Moraes Silva, da Universidade Estadual Paulista, foi a esses dois Estados para pesquisar sobre esses novos trabalhadores. Uma das suas descobertas é que eles são vítimas do próprio setor sucroalcooleiro. Com a expansão da cana no centro-sul e a valorização das terras, a pecuária dessa região está indo para áreas do Maranhão.
A formação de novos pastos ocorre em áreas de babaçu, planta que dá sustento às famílias da região. Sem essa cultura regional, os trabalhadores são obrigados a vir para São Paulo para cortar cana. No Piauí, outra região alvo da pesquisa, os pequenos produtores são expulsos pelo cultivo da soja, produto que também foi em busca de áreas de menor preço devido à valorização no centro-sul.
A pesquisadora diz que a presença de cortadores de cana dessas regiões em SP é recente. Em 2000, o Maranhão mandou apenas uma centena de cortadores ao Estado. Nesta safra, apenas da pequena Timbiras virão 7.000 trabalhadores.
Eles são arrebanhados pelo "gato", pessoa responsável pela seleção e até o custeio da vinda a São Paulo. O "gato" é imprescindível nesse trabalho e faz a ponte entre o trabalhador e as empresas. No Maranhão, ele é chamado de "agente de viagem para Ribeirão Preto". (MZ)
Fonte: Folha de S.Paulo (29/4/2007).
"Tem de ter braço, se não morre de fome"
Joel Silva (Repórter fotográfico da Folha Ribeirão)
"Para ser cortador de cana, tem de ter braço, porque, se não tiver, morre, ou de fome ou no canavial, de tanto trabalhar." A afirmação é de José Lúcio Oliveira, 33, que veio de Barra do Santo Antônio (Alagoas) neste ano para estrear no corte de cana na região de Ribeirão Preto.
Oliveira e os amigos Carlos João de Lima e Oziel Batista Silva acordam às 4h. Os três ocupam uma casa de dois cômodos em Pontal, com um banheiro sem iluminação e mobiliada apenas com um beliche, duas camas de solteiro, uma geladeira, um fogão, um aparelho de DVD e uma TV de 14 polegadas. Pagam R$ 120 de aluguel.
A primeira atividade do grupo é preparar a marmita que será levada para o canavial. Geralmente, o cardápio do grupo é arroz, feijão, macarrão e um cozido de carne. Às 5h, a turma já está no ponto de ônibus, onde se junta a 45 homens e mulheres e embarca em direção ao canavial.
Vestidos com calça comprida, jaleco de manga comprida, com camisa comprida por baixo, gorro para proteger o pescoço, chapéu ou boné, caneleiras para evitar picadas de cobras e cortes das escapadas do facão, botas, luvas e óculos, eles passam mais de seis horas sob o sol. Como ganha mais quem corta mais, os mais fortes e mais experientes no uso do facão saem ganhando.
Os homens chegam a cortar de 100 m a 120 m de cana por dia e ganham, em média, R$ 800 por mês. Na última quinta, Oliveira disse que sentiu dores nas costas e só conseguiu cortar 60 metros.
O grupo faz três paradas para comer o que levou na marmita: uma por volta das 7h15, outra às 10h e a última às 13h -a denominação bóia-fria vem do fato de que nas duas últimas refeições, o alimento está frio, apesar de algumas usinas fornecerem marmitas térmicas.
Às 16h, voltam para a casa, cansados, sujos e famintos, mas ainda não é hora de descansar. Enquanto Lima coloca as botas e luvas em um canto da casa e se prepara para lavar as roupas usadas no dia de trabalho, Oliveira, ainda usando o boné que o protegeu do sol no canavial, começa a preparar o jantar da turma e Silva entra no pequeno banheiro sem iluminação para o banho frio.
Entre os afazeres, discutem o dia de trabalho, reclamam do cansaço e das dores no punho devido aos golpes seguidos do facão. Lima, do tanque de lavar roupa, conta que uma cobra quase o picou no canavial. O cozinheiro Oliveira prepara arroz, salsicha cozida, feijão e bifes. Antes, guarda um pouco para o almoço do dia seguinte.
Antes de comer, os trabalhadores saem em busca de diversão: se reúnem com outros cortadores para uma partida de futebol em campinho improvisado -a passadinha pelo bar para tomar uma cachaça, rotina para muitos bóias-frias, não é adotada pela turma de Oliveira. Depois do futebol, o trio volta para a casa, janta e vai dormir lá pelas 21h.
Fonte: Folha de S.Paulo (29/4/2007).
"Para ser cortador de cana, tem de ter braço, porque, se não tiver, morre, ou de fome ou no canavial, de tanto trabalhar." A afirmação é de José Lúcio Oliveira, 33, que veio de Barra do Santo Antônio (Alagoas) neste ano para estrear no corte de cana na região de Ribeirão Preto.
Oliveira e os amigos Carlos João de Lima e Oziel Batista Silva acordam às 4h. Os três ocupam uma casa de dois cômodos em Pontal, com um banheiro sem iluminação e mobiliada apenas com um beliche, duas camas de solteiro, uma geladeira, um fogão, um aparelho de DVD e uma TV de 14 polegadas. Pagam R$ 120 de aluguel.
A primeira atividade do grupo é preparar a marmita que será levada para o canavial. Geralmente, o cardápio do grupo é arroz, feijão, macarrão e um cozido de carne. Às 5h, a turma já está no ponto de ônibus, onde se junta a 45 homens e mulheres e embarca em direção ao canavial.
Vestidos com calça comprida, jaleco de manga comprida, com camisa comprida por baixo, gorro para proteger o pescoço, chapéu ou boné, caneleiras para evitar picadas de cobras e cortes das escapadas do facão, botas, luvas e óculos, eles passam mais de seis horas sob o sol. Como ganha mais quem corta mais, os mais fortes e mais experientes no uso do facão saem ganhando.
Os homens chegam a cortar de 100 m a 120 m de cana por dia e ganham, em média, R$ 800 por mês. Na última quinta, Oliveira disse que sentiu dores nas costas e só conseguiu cortar 60 metros.
O grupo faz três paradas para comer o que levou na marmita: uma por volta das 7h15, outra às 10h e a última às 13h -a denominação bóia-fria vem do fato de que nas duas últimas refeições, o alimento está frio, apesar de algumas usinas fornecerem marmitas térmicas.
Às 16h, voltam para a casa, cansados, sujos e famintos, mas ainda não é hora de descansar. Enquanto Lima coloca as botas e luvas em um canto da casa e se prepara para lavar as roupas usadas no dia de trabalho, Oliveira, ainda usando o boné que o protegeu do sol no canavial, começa a preparar o jantar da turma e Silva entra no pequeno banheiro sem iluminação para o banho frio.
Entre os afazeres, discutem o dia de trabalho, reclamam do cansaço e das dores no punho devido aos golpes seguidos do facão. Lima, do tanque de lavar roupa, conta que uma cobra quase o picou no canavial. O cozinheiro Oliveira prepara arroz, salsicha cozida, feijão e bifes. Antes, guarda um pouco para o almoço do dia seguinte.
Antes de comer, os trabalhadores saem em busca de diversão: se reúnem com outros cortadores para uma partida de futebol em campinho improvisado -a passadinha pelo bar para tomar uma cachaça, rotina para muitos bóias-frias, não é adotada pela turma de Oliveira. Depois do futebol, o trio volta para a casa, janta e vai dormir lá pelas 21h.
Fonte: Folha de S.Paulo (29/4/2007).
Cortador trabalha duro, mas recebe bem, diz Rodrigues
Para ex-titular da Agricultura, trabalho na cana é "bruto, pesado, mas bem remunerado"
Roberto Rodrigues se refere a estudo apontando que rotina de cortadores faz com que tenham vida útil de trabalho inferior à dos escravos
Marcelo Toledo (Folha Ribeirão)
O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, que comandou a pasta no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse ontem que o trabalho dos cortadores de cana é "bruto, pesado, mas bem remunerado".
A afirmação de Rodrigues se refere à reportagem publicada anteontem pela Folha, mostrando, segundo a pesquisadora da Unesp Maria Aparecida de Moraes Silva, que a rotina imposta aos cortadores de cana faz com que eles tenham vida útil de trabalho inferior à dos escravos.
Dezenove mortes foram registradas nos canaviais do Estado de São Paulo desde abril de 2004, supostamente por excesso de trabalho, e estão sob investigação do Ministério Público do Trabalho.
Em média, um trabalhador recebe R$ 2,40 por tonelada de cana-de-açúcar cortada. Sindicatos da categoria afirmam que o salário mensal varia de R$ 700 a R$ 1.200.
Moraes Silva diz que alguns trabalhadores chegam a cortar até 15 toneladas de cana por dia e que o esforço físico diário acarreta sérios problemas à saúde dos trabalhadores.
Sobre as mortes, a Unica (associação das usinas) diz que não há comprovação científica de que elas são provocadas pelo esforço físico.
"O corte de cana com a mão é um trabalho muito duro, bruto e a tendência é a substituição pela mecanização. Outra vertente mostra que a mecanização muito rápida produzirá um desemprego maciço no campo. É preciso encontrar um caminho de tal forma que não haja nenhuma crise social a partir do desemprego nem crescimento dessa imagem negativa de que o corte de cana é um trabalho similar ao trabalho escravo", afirmou o ex-ministro.
Rodrigues disse que a discussão tem que ser feita "sem paixão, com cuidado e clareza".
O ex-ministro disse ainda que propôs ao governo paulista e ao próprio governo federal que use áreas (de 5% a 7%) de São Paulo com culturas permanentes mais nobres, como a fruticultura, para absorver a mão-de-obra dispensada com a mecanização do corte da cana e reutilizá-la de uma forma mais adequada.
Já o secretário de Estado da Agricultura, João Sampaio, afirmou que o setor sucroalcooleiro está em evidência no momento e que, por isso, aparecem problemas como os relatados na reportagem que até então poderiam não ser considerados.
"A discussão é o melhor caminho, o governo está aberto a isso, e já está negociando. Os abusos serão coibidos. A gente só precisa normatizar, ver se as normas estão condizentes", afirmou o secretário.
A reportagem da Folha mostrou ainda que o avanço da plantação de cana-de-açúcar promove uma concentração da produção nas mãos de usinas e grandes fornecedores, eliminando pequenos produtores.
Pedro Ramos, professor e pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), diz que apenas 25% da cana moída pelas usinas é proveniente de fornecedores independentes. Ele teme por uma concentração ainda maior no futuro.
Fonte: Folha de S.Paulo (1°/5/2007).
Roberto Rodrigues se refere a estudo apontando que rotina de cortadores faz com que tenham vida útil de trabalho inferior à dos escravos
Marcelo Toledo (Folha Ribeirão)
O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, que comandou a pasta no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse ontem que o trabalho dos cortadores de cana é "bruto, pesado, mas bem remunerado".
A afirmação de Rodrigues se refere à reportagem publicada anteontem pela Folha, mostrando, segundo a pesquisadora da Unesp Maria Aparecida de Moraes Silva, que a rotina imposta aos cortadores de cana faz com que eles tenham vida útil de trabalho inferior à dos escravos.
Dezenove mortes foram registradas nos canaviais do Estado de São Paulo desde abril de 2004, supostamente por excesso de trabalho, e estão sob investigação do Ministério Público do Trabalho.
Em média, um trabalhador recebe R$ 2,40 por tonelada de cana-de-açúcar cortada. Sindicatos da categoria afirmam que o salário mensal varia de R$ 700 a R$ 1.200.
Moraes Silva diz que alguns trabalhadores chegam a cortar até 15 toneladas de cana por dia e que o esforço físico diário acarreta sérios problemas à saúde dos trabalhadores.
Sobre as mortes, a Unica (associação das usinas) diz que não há comprovação científica de que elas são provocadas pelo esforço físico.
"O corte de cana com a mão é um trabalho muito duro, bruto e a tendência é a substituição pela mecanização. Outra vertente mostra que a mecanização muito rápida produzirá um desemprego maciço no campo. É preciso encontrar um caminho de tal forma que não haja nenhuma crise social a partir do desemprego nem crescimento dessa imagem negativa de que o corte de cana é um trabalho similar ao trabalho escravo", afirmou o ex-ministro.
Rodrigues disse que a discussão tem que ser feita "sem paixão, com cuidado e clareza".
O ex-ministro disse ainda que propôs ao governo paulista e ao próprio governo federal que use áreas (de 5% a 7%) de São Paulo com culturas permanentes mais nobres, como a fruticultura, para absorver a mão-de-obra dispensada com a mecanização do corte da cana e reutilizá-la de uma forma mais adequada.
Já o secretário de Estado da Agricultura, João Sampaio, afirmou que o setor sucroalcooleiro está em evidência no momento e que, por isso, aparecem problemas como os relatados na reportagem que até então poderiam não ser considerados.
"A discussão é o melhor caminho, o governo está aberto a isso, e já está negociando. Os abusos serão coibidos. A gente só precisa normatizar, ver se as normas estão condizentes", afirmou o secretário.
A reportagem da Folha mostrou ainda que o avanço da plantação de cana-de-açúcar promove uma concentração da produção nas mãos de usinas e grandes fornecedores, eliminando pequenos produtores.
Pedro Ramos, professor e pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), diz que apenas 25% da cana moída pelas usinas é proveniente de fornecedores independentes. Ele teme por uma concentração ainda maior no futuro.
Fonte: Folha de S.Paulo (1°/5/2007).
terça-feira, 1 de maio de 2007
Bóia-fria
Cortadores de cana têm vida útil de escravo em SP
Pressionado a produzir mais, trabalhador atua cerca de 12 anos, como na época da escravidão
Conclusão é de pesquisadora da Unesp; usineiros dizem que estão mudando sistema de contratação e que vão melhorar condições
Mauro Zafalonda (Redação)
O novo ciclo da cana-de-açúcar está impondo uma rotina aos cortadores de cana que, para alguns estudiosos, equipara sua vida útil de trabalho à dos escravos. É o lado perverso de um setor que, além de gerar novos empregos e ser um dos principais responsáveis pela movimentação interna da economia, deve exportar US$ 7 bilhões neste ano.
Ao menos 19 mortes já ocorreram nos canaviais de São Paulo desde meados de 2004, supostamente por excesso de trabalho. Preocupados com as condições de trabalho e com a repercussão das mortes, as usinas estão mudando o sistema de contratação desses trabalhadores, antes terceirizados.
A pesquisadora Maria Aparecida de Moraes Silva, professora livre docente da Unesp (Universidade Estadual Paulista), diz que a busca por maior produtividade obriga os cortadores de cana a colher até 15 toneladas por dia. Esse esforço físico encurta o ciclo de trabalho na atividade. "Nas atuais condições, passaram a ter uma vida útil de trabalho inferior à do período da escravidão", diz.
Nas décadas de 1980 e 1990, o tempo em que o trabalhador do setor ficava na atividade era de 15 anos. A partir de 2000, "já deve estar por volta de 12 anos", diz Moraes Silva. Devido à ação repetitiva e ao esforço físico, "ele começa a ter problemas seriíssimos de coluna, nos pés, câimbras e tendinite", afirma.
Para o historiador Jacob Gorender, o ciclo de vida útil dos escravos na agricultura era de 10 a 12 anos até 1850, antes da proibição do tráfico de escravos da África. Depois dessa data, os proprietários passaram a cuidar melhor dos escravos, e a vida útil subiu para 15 a 20 anos.
Moraes Silva, que desenvolve pesquisa com o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) sobre os migrantes cortadores de cana, acaba de voltar do Maranhão e do Piauí, novos pólos de fornecimento de mão-de-obra para São Paulo.
Uma das constatações da professora é que a maior exigência de força física no trabalho está forçando a vinda cada vez maior de jovens.
Aparecida de Jesus Pino Camargo, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Piracicaba (SP), diz que a maioria dos cortadores de cana está na faixa de 25 a 40 anos, mas que há cada vez mais jovens na atividade, com até 18 anos.
Para a pesquisadora, o trabalhador anda de 8 a 9 km por dia, sempre submetido a um grande esforço físico, o que causa sérios problemas à saúde. "Esse trabalho tem provocado uma dilapidação -esse é o termo, não encontro outro- dos trabalhadores", afirma ela.
Moraes Silva, porém, afirma que a situação começa a melhorar. Com pressão do Ministério Público, as usinas estão fazendo exames admissionais e adotaram várias medidas de proteção aos trabalhadores, diz.
Fonte: Folha de S.Paulo (29/4/2007).
Conclusão é de pesquisadora da Unesp; usineiros dizem que estão mudando sistema de contratação e que vão melhorar condições
Mauro Zafalonda (Redação)
O novo ciclo da cana-de-açúcar está impondo uma rotina aos cortadores de cana que, para alguns estudiosos, equipara sua vida útil de trabalho à dos escravos. É o lado perverso de um setor que, além de gerar novos empregos e ser um dos principais responsáveis pela movimentação interna da economia, deve exportar US$ 7 bilhões neste ano.
Ao menos 19 mortes já ocorreram nos canaviais de São Paulo desde meados de 2004, supostamente por excesso de trabalho. Preocupados com as condições de trabalho e com a repercussão das mortes, as usinas estão mudando o sistema de contratação desses trabalhadores, antes terceirizados.
A pesquisadora Maria Aparecida de Moraes Silva, professora livre docente da Unesp (Universidade Estadual Paulista), diz que a busca por maior produtividade obriga os cortadores de cana a colher até 15 toneladas por dia. Esse esforço físico encurta o ciclo de trabalho na atividade. "Nas atuais condições, passaram a ter uma vida útil de trabalho inferior à do período da escravidão", diz.
Nas décadas de 1980 e 1990, o tempo em que o trabalhador do setor ficava na atividade era de 15 anos. A partir de 2000, "já deve estar por volta de 12 anos", diz Moraes Silva. Devido à ação repetitiva e ao esforço físico, "ele começa a ter problemas seriíssimos de coluna, nos pés, câimbras e tendinite", afirma.
Para o historiador Jacob Gorender, o ciclo de vida útil dos escravos na agricultura era de 10 a 12 anos até 1850, antes da proibição do tráfico de escravos da África. Depois dessa data, os proprietários passaram a cuidar melhor dos escravos, e a vida útil subiu para 15 a 20 anos.
Moraes Silva, que desenvolve pesquisa com o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) sobre os migrantes cortadores de cana, acaba de voltar do Maranhão e do Piauí, novos pólos de fornecimento de mão-de-obra para São Paulo.
Uma das constatações da professora é que a maior exigência de força física no trabalho está forçando a vinda cada vez maior de jovens.
Aparecida de Jesus Pino Camargo, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Piracicaba (SP), diz que a maioria dos cortadores de cana está na faixa de 25 a 40 anos, mas que há cada vez mais jovens na atividade, com até 18 anos.
Para a pesquisadora, o trabalhador anda de 8 a 9 km por dia, sempre submetido a um grande esforço físico, o que causa sérios problemas à saúde. "Esse trabalho tem provocado uma dilapidação -esse é o termo, não encontro outro- dos trabalhadores", afirma ela.
Moraes Silva, porém, afirma que a situação começa a melhorar. Com pressão do Ministério Público, as usinas estão fazendo exames admissionais e adotaram várias medidas de proteção aos trabalhadores, diz.
Fonte: Folha de S.Paulo (29/4/2007).
terça-feira, 3 de abril de 2007
Agronegócio multiplica favelas e prisões
Eduardo Sales de Lima, da redação.
Ribeirão Preto (SP), a “Califórnia Brasileira”, capital nacional do agronegócio, tornou-se exemplo de organização e empenho dos grandes empresários da cana-de-açúcar. Pena que todo esse lucro seja resultado da superexploração dos camponeses, da expulsão do homem do campo e do desmatamento ambiental.
Dados da Associação Brasileira do Agronegócio de Ribeirão Preto (Abag-RP) mostram que, entre 1982 e 2001, pequenas cidades da região revelaram crescimento superior a 100% na participação no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS): Colina (113,47%), Pedregulho (162,17%), Rifaina (252,59%) e Luís Antônio (1.106,4%).
Os produtos orindos da cana-de-açúcar são a principal referência do agronegócio na região. Sendo assim, projeções do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) divulgadas em dezembro de 2006 provavelmente irão aumentar a sanha dos empresários locais. A produção de etanol projetada para 2007 é de 38,6 bilhões de litros, mais que o dobro da produção de 2005.
O aumento dos negócios da elite local, nacional e das transnacionais contrasta com números surpreendentes. Hoje, a população carcerária da região soma 3.813 pessoas, segundo dados da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (SAP). A quantidade é muito superior a da população rural, em torno de dois mil habitantes.
Mais favelas
A taxa da população rural de Ribeirão Preto é um irrisório 0,03%. O slogan da Abag-RP é “Agronegócio, sua vida depende dele”. Logo se observa o que essa dependência tem causado. No final de 2005, eram 31 favelas com 18 mil moradores. Já em 2006: 34 favelas, com 20 mil habitantes (números da Folha de Ribeirão, de 4 de março).
Edivar Lavratti, diretor regional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de Ribeirão Preto, conta que, na época dos barões do café, algumas pessoas ainda eram mantidas no campo como pequenos arrendatários que cuidavam da lavoura. “A partir do Programa Brasileiro de Álcool (Proálcool) essa realidade se transformou por duas vias, uma foi a retirada das colônias das fazendas e outra a migração de nordestinos. Ribeirão Preto sofreu um impacto muito grande na década de 1980. Houve uma enxurrada de pessoas para cá em busca de serviço. Atualmente, não só houve um aumento do número de favelas, mas também das agrovilas do agronegócio”, denuncia.
Segundo Lavratti, essas agrovilas são espaços de miséria absoluta nas cidades satélites de Ribeirão Preto. Nelas, as pessoas dependem diretamente do corte da cana e convivem com o desemprego por conta da mecanização e do caráter sazonal desse tipo de trabalho. Isso contribui para a ociosidade de uma quantia considerável de homens e mulheres, acarretando problemas sérios relacionados ao alcoolismo.
Mais condomínios de luxo
A quase extinção da população rural, hoje comprovadamente menor que a carcerária, revela, além de um distanciamento entre a zona urbana e o campo, a dependência do abastecimento produtos primários relacionacionados à alimentação. Para a professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP), Lucília Maria Sousa Romão, o que existe nos arredores da cidade atualmente são os condomínios de luxo. “Os camponeses que vivem no campo não existem no sentido de fixarem suas raízes na área rural”, afirma. Ela completa que os cortadores de cana moram e vivem nas cidades em moradias provisórias e são transportados de ônibus para as lavouras.
Por outro lado, os que realmente vivem no campo e contemplam a função social da terra estão nos assentamentos de reforma agrária, que são fruto do movimento sindical rural da região.
Segundo Lavratti, além dos condomínios e dos assentamentos, existem algumas poucas chácaras utilizadas para o lazer e também minifúndios que produzem hortaliças ou criam pequenos animais para o comércio local. “Os últimos dados de 2004 mostram que mais de 80% do que se consome de alimentos em Ribeirão vem de Minas Gerais, de Campinas (SP) e do Nordeste. Praticamente, não existe produção de alimentos”, ressalta o coordenador do MST (leia a reportagem completa na edição 213 do Jornal Brasil de Fato).
Fonte: Agência Brasil de Fato (30/3/2007)
Ribeirão Preto (SP), a “Califórnia Brasileira”, capital nacional do agronegócio, tornou-se exemplo de organização e empenho dos grandes empresários da cana-de-açúcar. Pena que todo esse lucro seja resultado da superexploração dos camponeses, da expulsão do homem do campo e do desmatamento ambiental.
Dados da Associação Brasileira do Agronegócio de Ribeirão Preto (Abag-RP) mostram que, entre 1982 e 2001, pequenas cidades da região revelaram crescimento superior a 100% na participação no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS): Colina (113,47%), Pedregulho (162,17%), Rifaina (252,59%) e Luís Antônio (1.106,4%).
Os produtos orindos da cana-de-açúcar são a principal referência do agronegócio na região. Sendo assim, projeções do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) divulgadas em dezembro de 2006 provavelmente irão aumentar a sanha dos empresários locais. A produção de etanol projetada para 2007 é de 38,6 bilhões de litros, mais que o dobro da produção de 2005.
O aumento dos negócios da elite local, nacional e das transnacionais contrasta com números surpreendentes. Hoje, a população carcerária da região soma 3.813 pessoas, segundo dados da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (SAP). A quantidade é muito superior a da população rural, em torno de dois mil habitantes.
Mais favelas
A taxa da população rural de Ribeirão Preto é um irrisório 0,03%. O slogan da Abag-RP é “Agronegócio, sua vida depende dele”. Logo se observa o que essa dependência tem causado. No final de 2005, eram 31 favelas com 18 mil moradores. Já em 2006: 34 favelas, com 20 mil habitantes (números da Folha de Ribeirão, de 4 de março).
Edivar Lavratti, diretor regional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de Ribeirão Preto, conta que, na época dos barões do café, algumas pessoas ainda eram mantidas no campo como pequenos arrendatários que cuidavam da lavoura. “A partir do Programa Brasileiro de Álcool (Proálcool) essa realidade se transformou por duas vias, uma foi a retirada das colônias das fazendas e outra a migração de nordestinos. Ribeirão Preto sofreu um impacto muito grande na década de 1980. Houve uma enxurrada de pessoas para cá em busca de serviço. Atualmente, não só houve um aumento do número de favelas, mas também das agrovilas do agronegócio”, denuncia.
Segundo Lavratti, essas agrovilas são espaços de miséria absoluta nas cidades satélites de Ribeirão Preto. Nelas, as pessoas dependem diretamente do corte da cana e convivem com o desemprego por conta da mecanização e do caráter sazonal desse tipo de trabalho. Isso contribui para a ociosidade de uma quantia considerável de homens e mulheres, acarretando problemas sérios relacionados ao alcoolismo.
Mais condomínios de luxo
A quase extinção da população rural, hoje comprovadamente menor que a carcerária, revela, além de um distanciamento entre a zona urbana e o campo, a dependência do abastecimento produtos primários relacionacionados à alimentação. Para a professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP), Lucília Maria Sousa Romão, o que existe nos arredores da cidade atualmente são os condomínios de luxo. “Os camponeses que vivem no campo não existem no sentido de fixarem suas raízes na área rural”, afirma. Ela completa que os cortadores de cana moram e vivem nas cidades em moradias provisórias e são transportados de ônibus para as lavouras.
Por outro lado, os que realmente vivem no campo e contemplam a função social da terra estão nos assentamentos de reforma agrária, que são fruto do movimento sindical rural da região.
Segundo Lavratti, além dos condomínios e dos assentamentos, existem algumas poucas chácaras utilizadas para o lazer e também minifúndios que produzem hortaliças ou criam pequenos animais para o comércio local. “Os últimos dados de 2004 mostram que mais de 80% do que se consome de alimentos em Ribeirão vem de Minas Gerais, de Campinas (SP) e do Nordeste. Praticamente, não existe produção de alimentos”, ressalta o coordenador do MST (leia a reportagem completa na edição 213 do Jornal Brasil de Fato).
Fonte: Agência Brasil de Fato (30/3/2007)
O Mito dos Biocombustíveis
Edivan Pinto, Marluce Melo e Maria Luisa Mendonça*
Recentes estudos sobre os impactos causados pelos combustíveis fósseis contribuíram para colocar o tema dos biocombustíveis na ordem do dia. Atualmente, a matriz energética é composta por petróleo (35%), carvão (23%) e gás natural (21%). Apenas 10 dos países mais ricos consomem cerca de 80% da energia produzida no mundo. Entre estes, os Estados Unidos são responsáveis por 25% da poluição atmosférica. Analistas estimam que, dentro de 25 anos, a demanda mundial por petróleo, gás natural e carvão tenha um aumento de 80%.
A aceleração do aquecimento global é um fato que coloca em risco a vida do planeta. Porém, é preciso desmistificar a principal solução apontada atualmente, difundida através da propaganda sobre os supostos benefícios dos biocombustíveis. O conceito de energia "renovável" deve ser discutido a partir de uma visão mais ampla que considere os efeitos negativos destas fontes.
A propaganda do "combustível verde" ou "energia limpa" tem sido amplamente difundida no Brasil. "Usados em substituição aos derivados de petróleo, tanto o etanol quanto o biodiesel se convertem em ferramentas capazes de deter o aquecimento global", afirma texto da revista Globo Rural (Novembro, 2006).
Por outro lado, já existem diversos estudos que contradizem essa idéia. Especialista em genética e bioquímica, a professora Mãe-Wan - Ho, da Universidade de Hong Kong, explica que "os biocombustíveis têm sido propagandeados e considerados erroneamente como ´neutros em carbono´, como se não contribuíssem para o efeito estufa na atmosfera; quando são queimados, o dióxido de carbono que as plantas absorvem quando se desenvolvem nos campos é devolvido à atmosfera. Ignoram-se assim os custos das emissões de CO2 e de energia de fertilizantes e pesticidas utilizados nas colheitas, dos utensílios agrícolas, do processamento e refinação, do transporte e da infra-estrutura para distribuição". Para a pesquisadora, os custos extras de energia e das emissões de carbono são ainda maiores quando os biocombustíveis são produzidos em um país e exportados para outro.
Um estudo do Gabinete Belga de Assuntos Científicos mostra resultados semelhantes. "O biodiesel provoca mais problemas de saúde e ambientais porque cria uma poluição mais pulverizada, libera mais poluentes que promovem a destruição da camada de ozônio".
Sobre a produção de etanol, Mãe-Wan - Ho explica que "não foi levada em consideração a enorme liberação de carbono do solo orgânico provocada pela cultura intensiva de cana-de-açúcar que substitui florestas e terras de pastagem que, se fossem regeneradas, poupariam mais de sete toneladas de dióxido de carbono por hectare por ano do que o bioetanol poupa". Além disso, cada litro de etanol produzido consome cerca de quatro litros de água, o que representa um risco de maior escassez de fontes naturais e aqüíferos.
No caso da soja, as estimativas mais otimistas indicam que o saldo de energia renovável produzido para cada unidade de energia fóssil gasto no cultivo é de menos de duas unidades. Isso se deve ao alto consumo de petróleo utilizado em fertilizantes e em máquinas agrícolas. Além disso, a expansão da soja tem causado enorme devastação das florestas e do cerrado no Brasil.
Mesmo assim, a soja tem sido apresentada pelo governo brasileiro como principal cultivo para biodiesel, pelo fato do Brasil ser um dos maiores produtores do mundo. "A cultura da soja desponta como a jóia da coroa do agronegócio brasileiro. A soja pode ser considerada a cunha que permitirá a abertura de mercados de biocombustíveis", afirmam pesquisadores da Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. (Revista de Política Agrícola. Ano XIV- nº. 1 - jan/fev/mar. 2005).
O Papel do Brasil
Apesar de não contar com terras agrícolas suficientes para o aumento da produção, a União Européia estabeleceu que até 2010 seus países-membros devem adicionar 5,75% de biodiesel em seu combustível e, até 2015 esta meta seria de 8%. Porém, diversos analistas estimam que além das dificuldades práticas de implementação, dificilmente este projeto alcançaria os objetivos desejados. Segundo a professora Mae-Wan Ho, "se os 5,6 milhões de hectares de reservas da União Européia fossem cultivados com plantas energéticas, pouparíamos apenas de 1,3% a 1,5% das emissões de transportes rodoviários, ou seja, cerca de 0,3% do total de emissões de 15 países."
O governo dos Estados Unidos oferece incentivos fiscais para que a indústria aumente o percentual de biodiesel no diesel comum. Porém, seria necessário utilizar 121% de toda a área agrícola dos EUA para substituir a demanda atual de combustíveis fósseis naquele país.
Neste contexto, o papel do Brasil seria fornecer energia barata para países ricos, o que representa uma nova fase da colonização. As atuais políticas para o setor são sustentadas nos mesmos elementos que marcaram a colonização brasileira: apropriação de território, de bens naturais e de trabalho, o que representa maior concentração de terra, água, renda e poder.
Estima-se que mais de 90 milhões de hectares de terras poderiam ser utilizadas para produzir biocombustíveis. Além disso, a "eficiência" de nossa produção se deve à disponibilidade de mão-de-obra barata e até mesmo escrava. Essas características são difundidas por órgãos governamentais e por alguns intelectuais, que criam a idéia de que a produção de agroenergia traria grandes benefícios.
"Nosso país possui a maior extensão de terra do mundo que ainda pode ser incorporada ao processo produtivo", afirmam pesquisadores da Embrapa. Eles estimam que a produção de biomassa "poderá ser o mais importante componente do agronegócio brasileiro". Em relação à expansão da produção de etanol, concluem que há a "possibilidade de expansão da cana-de-açúcar em quase todo o território nacional".
Atualmente as usinas brasileiras têm capacidade de produzir 800 milhões de litros de biodiesel por ano, utilizados na mistura de 2% ao diesel comum. A meta estabelecida pelas empresas do setor é chegar a um bilhão de litros por ano até 2008, quando a previsão é adicionar 5% ao combustível fóssil.
Análises do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) indicam este tipo de investimento como prioridade e estimam a construção de cem usinas até 2010. Em 2004, o banco investiu R$580 milhões no setor e em 2006, este montante subiu para R$2,2 bilhões. O Brasil produz atualmente 17 bilhões de litros de álcool por ano. Segundo o BNDES, seriam necessários mais oito bilhões de litros somente para atender o mercado interno. Portanto, o banco prevê que o Brasil deve expandir sua produção para outros países. Com a pretensão de controlar 50% do mercado mundial de etanol, o BNDES estima que o Brasil deve chegar a produzir 110 bilhões de litros por ano.
"Apenas na região do cerrado, podem ser disponibilizados nos próximos anos para plantio de grãos mais de 20 milhões de hectares", revela relatório da Embrapa. No Nordeste, segundo os pesquisadores, "somente para a mamona há uma área de três milhões de hectares apta ao cultivo". Eles afirmam ainda que "A Amazônia brasileira possui o maior potencial para plantio de dendê no mundo, com área estimada de 70 milhões de hectares".
Todavia, este produto é conhecido como "diesel do desmatamento". A produção em massa do óleo de palma (como é conhecido em outros países) já causou a devastação de grandes extensões de florestas na Colômbia, Equador e Indonésia. Na Malásia, maior produtor mundial de óleo de palma, 87% das florestas foram devastadas.
Além da destruição ambiental e da utilização de terras agrícolas para a produção de biomassa, há outros efeitos poluidores neste processo, como a construção de infraestrutura de transporte e armazenamento, que demandam grande quantidade de energia. Seria necessário também aumentar o uso de máquinas agrícolas, de insumos (fertilizantes e agrotóxicos) e de irrigação para garantir o aumento da produção.
O Brasil pode também cumprir a missão de legitimar a política externa do governo estadunidense. Em visita ao Brasil, em fevereiro de 2007, o subsecretário de Estado, Nicholas Burns, afirmou que "A pesquisa e o desenvolvimento de biocombustíveis podem ser o eixo simbólico de uma parceria nova e mais forte entre Brasil e Estados Unidos". Os dois países controlam 70% da produção mundial de etanol. Recentemente, em resposta ao impacto deste tema na sociedade, o governo Bush anunciou que pretende reduzir o consumo de petróleo em 20%. Segundo Burns, "A energia tende a distorcer o poder de alguns Estados que nós achamos que têm um peso negativo no mundo, como a Venezuela e o Irã". (Folha de S. Paulo, 7 de fevereiro de 2007).
A expansão da produção de bioenergia é de grande interesse para empresas de organismos geneticamente modificados, que esperam obter maior aceitação do público se difundirem os produtos transgênicos como fontes de energia "limpa".
"Todas as empresas que produzem cultivos transgênicos - Syngenta, Monsanto, Dupont, Dow, Bayer, BASF - têm investimentos em cultivos concebidos para a produção de biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel. Têm, além disso, acordos de colaboração com transnacionais como a Cargill, Archer, Daniel Midland, Bunge, que dominam o comércio mundial de cereais. Na maioria dos casos, a investigação está voltada para a obtenção de novos tipos de manipulação genética de milho, cana-de- açúcar, soja, dentre outros, convertendo-os em cultivos não comestíveis, o que aumenta dramaticamente os riscos que por si sós já implica a contaminação transgênica", explica Silvia Ribeiro, investigadora do Grupo ETC do México.
Segundo Eric Holt-Gimenez, coordenador da organização Food First, "Três grandes empresas (ADM, Cargill e Monsanto) estão forjando seu império: engenharia genética, processamento e transporte-uma aliança que vai amarrar a produção e a venda de etanol. E acrescenta que outras empresas do agronegócio como Bunge, Sygenta, Bayer e Dupont, aliadas à transnacionais de petróleo como Shell, TOTAL e British Petroleum, e também à automotoras como Volkswagen, Peugeot, Citroen, Renault e SAAB, formam uma parceria inédita visando grandes lucros com biocombustíveis.
O papel da agricultura camponesa
Edna Carmélio, coordenadora de biocombustíveis do Ministério de Desenvolvimento Agrário, afirma que "A produção do etanol é concentradora de renda; já a de biodiesel, mesmo não sendo exclusiva da agricultura familiar, tem forte componente social".
Experiências como a plantação da mamona por pequenos agricultores no Nordeste demonstraram o risco de dependência a grandes empresas agrícolas, que controlam os preços, o processamento e a distribuição da produção. Os camponeses são utilizados para dar legitimidade ao agronegócio, através da distribuição de certificados de "combustível social".
A expansão da produção de biocombustíveis coloca em risco a soberania alimentar e pode agravar profundamente o problema da fome no mundo. No México, por exemplo, o aumento das exportações de milho para abastecer o mercado de etanol nos Estados Unidos causou um aumento de 400% no preço do produto, que é a principal fonte de alimento da população.
Este modelo causa impactos negativos em comunidades camponesas, ribeirinhas, indígenas e quilombolas, que têm seus territórios ameaçados pela constante expansão do capital. Silvia Ribeiro alerta que "agora são os automóveis, não as pessoas, os que demandam a produção anual de cereais. A quantidade de grãos que se exige para encher o reservatório de uma camionete com etanol é suficiente para alimentar uma pessoa durante um ano".
Alguns analistas empresariais até admitem que há problemas ambientais e risco à produção de alimentos, mas afirmam que precisamos escolher "o mal menor". Neste caso, defendem até mesmo a destruição de florestas com o objetivo de expandir seus lucros com a produção de bioenergia, também conhecida como "ouro verde".
Na verdade, uma mudança na matriz energética que buscasse realmente preservar a vida no planeta teria que significar também uma profunda transformação nos padrões atuais de consumo, no conceito de "desenvolvimento" e na própria organização de nossas sociedades. É preciso investir em alternativas como a energia eólica, solar, fotovoltaica, das marés, geotérmoca. Porém, discutir novas fontes de energia implica, em primeiro lugar, refletir a serviço de quem estará esta nova matriz. A construção de uma nova matriz energética deve levar em conta quem se beneficiará ou qual propósito servirá.
O modelo agrícola deve estar baseado na agroecologia e na diversificação da produção. É urgente resgatar e multiplicar experiências de agricultura camponesa, a partir da diversidade dos ecosistemas. Existem múltiplas tecnologias e conhecimentos tradicionais de produção como as agroflorestas, sistemas agropastoris, integrados e duradouros. Há também tecnologias e saberes locais de captação, armazenamento, manejo e usos de água para consumo e produção, que preservam fontes naturais.
Estas não são soluções simplistas. Tampouco são suficientes mudanças em atitudes individuais de "consumidores", como comprar um outro tipo de carro, de lâmpada, etc. A maior responsabilidade pelo aquecimento global é justamente de grandes empresas que destroem as florestas e poluem o meio ambiente-as mesmas petroleiras, automotivas, agrícolas, entre outras, que pretendem lucrar com a bioenergia.
* Edivan Pinto e Marluce Melo são membros da Comissão Pastoral da Terra Regional Nordeste - CPT NE. Maria Luisa Mendonça é membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
Fonte: Agência Brasil de Fato (22/2/2007)
Recentes estudos sobre os impactos causados pelos combustíveis fósseis contribuíram para colocar o tema dos biocombustíveis na ordem do dia. Atualmente, a matriz energética é composta por petróleo (35%), carvão (23%) e gás natural (21%). Apenas 10 dos países mais ricos consomem cerca de 80% da energia produzida no mundo. Entre estes, os Estados Unidos são responsáveis por 25% da poluição atmosférica. Analistas estimam que, dentro de 25 anos, a demanda mundial por petróleo, gás natural e carvão tenha um aumento de 80%.
A aceleração do aquecimento global é um fato que coloca em risco a vida do planeta. Porém, é preciso desmistificar a principal solução apontada atualmente, difundida através da propaganda sobre os supostos benefícios dos biocombustíveis. O conceito de energia "renovável" deve ser discutido a partir de uma visão mais ampla que considere os efeitos negativos destas fontes.
A propaganda do "combustível verde" ou "energia limpa" tem sido amplamente difundida no Brasil. "Usados em substituição aos derivados de petróleo, tanto o etanol quanto o biodiesel se convertem em ferramentas capazes de deter o aquecimento global", afirma texto da revista Globo Rural (Novembro, 2006).
Por outro lado, já existem diversos estudos que contradizem essa idéia. Especialista em genética e bioquímica, a professora Mãe-Wan - Ho, da Universidade de Hong Kong, explica que "os biocombustíveis têm sido propagandeados e considerados erroneamente como ´neutros em carbono´, como se não contribuíssem para o efeito estufa na atmosfera; quando são queimados, o dióxido de carbono que as plantas absorvem quando se desenvolvem nos campos é devolvido à atmosfera. Ignoram-se assim os custos das emissões de CO2 e de energia de fertilizantes e pesticidas utilizados nas colheitas, dos utensílios agrícolas, do processamento e refinação, do transporte e da infra-estrutura para distribuição". Para a pesquisadora, os custos extras de energia e das emissões de carbono são ainda maiores quando os biocombustíveis são produzidos em um país e exportados para outro.
Um estudo do Gabinete Belga de Assuntos Científicos mostra resultados semelhantes. "O biodiesel provoca mais problemas de saúde e ambientais porque cria uma poluição mais pulverizada, libera mais poluentes que promovem a destruição da camada de ozônio".
Sobre a produção de etanol, Mãe-Wan - Ho explica que "não foi levada em consideração a enorme liberação de carbono do solo orgânico provocada pela cultura intensiva de cana-de-açúcar que substitui florestas e terras de pastagem que, se fossem regeneradas, poupariam mais de sete toneladas de dióxido de carbono por hectare por ano do que o bioetanol poupa". Além disso, cada litro de etanol produzido consome cerca de quatro litros de água, o que representa um risco de maior escassez de fontes naturais e aqüíferos.
No caso da soja, as estimativas mais otimistas indicam que o saldo de energia renovável produzido para cada unidade de energia fóssil gasto no cultivo é de menos de duas unidades. Isso se deve ao alto consumo de petróleo utilizado em fertilizantes e em máquinas agrícolas. Além disso, a expansão da soja tem causado enorme devastação das florestas e do cerrado no Brasil.
Mesmo assim, a soja tem sido apresentada pelo governo brasileiro como principal cultivo para biodiesel, pelo fato do Brasil ser um dos maiores produtores do mundo. "A cultura da soja desponta como a jóia da coroa do agronegócio brasileiro. A soja pode ser considerada a cunha que permitirá a abertura de mercados de biocombustíveis", afirmam pesquisadores da Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. (Revista de Política Agrícola. Ano XIV- nº. 1 - jan/fev/mar. 2005).
O Papel do Brasil
Apesar de não contar com terras agrícolas suficientes para o aumento da produção, a União Européia estabeleceu que até 2010 seus países-membros devem adicionar 5,75% de biodiesel em seu combustível e, até 2015 esta meta seria de 8%. Porém, diversos analistas estimam que além das dificuldades práticas de implementação, dificilmente este projeto alcançaria os objetivos desejados. Segundo a professora Mae-Wan Ho, "se os 5,6 milhões de hectares de reservas da União Européia fossem cultivados com plantas energéticas, pouparíamos apenas de 1,3% a 1,5% das emissões de transportes rodoviários, ou seja, cerca de 0,3% do total de emissões de 15 países."
O governo dos Estados Unidos oferece incentivos fiscais para que a indústria aumente o percentual de biodiesel no diesel comum. Porém, seria necessário utilizar 121% de toda a área agrícola dos EUA para substituir a demanda atual de combustíveis fósseis naquele país.
Neste contexto, o papel do Brasil seria fornecer energia barata para países ricos, o que representa uma nova fase da colonização. As atuais políticas para o setor são sustentadas nos mesmos elementos que marcaram a colonização brasileira: apropriação de território, de bens naturais e de trabalho, o que representa maior concentração de terra, água, renda e poder.
Estima-se que mais de 90 milhões de hectares de terras poderiam ser utilizadas para produzir biocombustíveis. Além disso, a "eficiência" de nossa produção se deve à disponibilidade de mão-de-obra barata e até mesmo escrava. Essas características são difundidas por órgãos governamentais e por alguns intelectuais, que criam a idéia de que a produção de agroenergia traria grandes benefícios.
"Nosso país possui a maior extensão de terra do mundo que ainda pode ser incorporada ao processo produtivo", afirmam pesquisadores da Embrapa. Eles estimam que a produção de biomassa "poderá ser o mais importante componente do agronegócio brasileiro". Em relação à expansão da produção de etanol, concluem que há a "possibilidade de expansão da cana-de-açúcar em quase todo o território nacional".
Atualmente as usinas brasileiras têm capacidade de produzir 800 milhões de litros de biodiesel por ano, utilizados na mistura de 2% ao diesel comum. A meta estabelecida pelas empresas do setor é chegar a um bilhão de litros por ano até 2008, quando a previsão é adicionar 5% ao combustível fóssil.
Análises do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) indicam este tipo de investimento como prioridade e estimam a construção de cem usinas até 2010. Em 2004, o banco investiu R$580 milhões no setor e em 2006, este montante subiu para R$2,2 bilhões. O Brasil produz atualmente 17 bilhões de litros de álcool por ano. Segundo o BNDES, seriam necessários mais oito bilhões de litros somente para atender o mercado interno. Portanto, o banco prevê que o Brasil deve expandir sua produção para outros países. Com a pretensão de controlar 50% do mercado mundial de etanol, o BNDES estima que o Brasil deve chegar a produzir 110 bilhões de litros por ano.
"Apenas na região do cerrado, podem ser disponibilizados nos próximos anos para plantio de grãos mais de 20 milhões de hectares", revela relatório da Embrapa. No Nordeste, segundo os pesquisadores, "somente para a mamona há uma área de três milhões de hectares apta ao cultivo". Eles afirmam ainda que "A Amazônia brasileira possui o maior potencial para plantio de dendê no mundo, com área estimada de 70 milhões de hectares".
Todavia, este produto é conhecido como "diesel do desmatamento". A produção em massa do óleo de palma (como é conhecido em outros países) já causou a devastação de grandes extensões de florestas na Colômbia, Equador e Indonésia. Na Malásia, maior produtor mundial de óleo de palma, 87% das florestas foram devastadas.
Além da destruição ambiental e da utilização de terras agrícolas para a produção de biomassa, há outros efeitos poluidores neste processo, como a construção de infraestrutura de transporte e armazenamento, que demandam grande quantidade de energia. Seria necessário também aumentar o uso de máquinas agrícolas, de insumos (fertilizantes e agrotóxicos) e de irrigação para garantir o aumento da produção.
O Brasil pode também cumprir a missão de legitimar a política externa do governo estadunidense. Em visita ao Brasil, em fevereiro de 2007, o subsecretário de Estado, Nicholas Burns, afirmou que "A pesquisa e o desenvolvimento de biocombustíveis podem ser o eixo simbólico de uma parceria nova e mais forte entre Brasil e Estados Unidos". Os dois países controlam 70% da produção mundial de etanol. Recentemente, em resposta ao impacto deste tema na sociedade, o governo Bush anunciou que pretende reduzir o consumo de petróleo em 20%. Segundo Burns, "A energia tende a distorcer o poder de alguns Estados que nós achamos que têm um peso negativo no mundo, como a Venezuela e o Irã". (Folha de S. Paulo, 7 de fevereiro de 2007).
A expansão da produção de bioenergia é de grande interesse para empresas de organismos geneticamente modificados, que esperam obter maior aceitação do público se difundirem os produtos transgênicos como fontes de energia "limpa".
"Todas as empresas que produzem cultivos transgênicos - Syngenta, Monsanto, Dupont, Dow, Bayer, BASF - têm investimentos em cultivos concebidos para a produção de biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel. Têm, além disso, acordos de colaboração com transnacionais como a Cargill, Archer, Daniel Midland, Bunge, que dominam o comércio mundial de cereais. Na maioria dos casos, a investigação está voltada para a obtenção de novos tipos de manipulação genética de milho, cana-de- açúcar, soja, dentre outros, convertendo-os em cultivos não comestíveis, o que aumenta dramaticamente os riscos que por si sós já implica a contaminação transgênica", explica Silvia Ribeiro, investigadora do Grupo ETC do México.
Segundo Eric Holt-Gimenez, coordenador da organização Food First, "Três grandes empresas (ADM, Cargill e Monsanto) estão forjando seu império: engenharia genética, processamento e transporte-uma aliança que vai amarrar a produção e a venda de etanol. E acrescenta que outras empresas do agronegócio como Bunge, Sygenta, Bayer e Dupont, aliadas à transnacionais de petróleo como Shell, TOTAL e British Petroleum, e também à automotoras como Volkswagen, Peugeot, Citroen, Renault e SAAB, formam uma parceria inédita visando grandes lucros com biocombustíveis.
O papel da agricultura camponesa
Edna Carmélio, coordenadora de biocombustíveis do Ministério de Desenvolvimento Agrário, afirma que "A produção do etanol é concentradora de renda; já a de biodiesel, mesmo não sendo exclusiva da agricultura familiar, tem forte componente social".
Experiências como a plantação da mamona por pequenos agricultores no Nordeste demonstraram o risco de dependência a grandes empresas agrícolas, que controlam os preços, o processamento e a distribuição da produção. Os camponeses são utilizados para dar legitimidade ao agronegócio, através da distribuição de certificados de "combustível social".
A expansão da produção de biocombustíveis coloca em risco a soberania alimentar e pode agravar profundamente o problema da fome no mundo. No México, por exemplo, o aumento das exportações de milho para abastecer o mercado de etanol nos Estados Unidos causou um aumento de 400% no preço do produto, que é a principal fonte de alimento da população.
Este modelo causa impactos negativos em comunidades camponesas, ribeirinhas, indígenas e quilombolas, que têm seus territórios ameaçados pela constante expansão do capital. Silvia Ribeiro alerta que "agora são os automóveis, não as pessoas, os que demandam a produção anual de cereais. A quantidade de grãos que se exige para encher o reservatório de uma camionete com etanol é suficiente para alimentar uma pessoa durante um ano".
Alguns analistas empresariais até admitem que há problemas ambientais e risco à produção de alimentos, mas afirmam que precisamos escolher "o mal menor". Neste caso, defendem até mesmo a destruição de florestas com o objetivo de expandir seus lucros com a produção de bioenergia, também conhecida como "ouro verde".
Na verdade, uma mudança na matriz energética que buscasse realmente preservar a vida no planeta teria que significar também uma profunda transformação nos padrões atuais de consumo, no conceito de "desenvolvimento" e na própria organização de nossas sociedades. É preciso investir em alternativas como a energia eólica, solar, fotovoltaica, das marés, geotérmoca. Porém, discutir novas fontes de energia implica, em primeiro lugar, refletir a serviço de quem estará esta nova matriz. A construção de uma nova matriz energética deve levar em conta quem se beneficiará ou qual propósito servirá.
O modelo agrícola deve estar baseado na agroecologia e na diversificação da produção. É urgente resgatar e multiplicar experiências de agricultura camponesa, a partir da diversidade dos ecosistemas. Existem múltiplas tecnologias e conhecimentos tradicionais de produção como as agroflorestas, sistemas agropastoris, integrados e duradouros. Há também tecnologias e saberes locais de captação, armazenamento, manejo e usos de água para consumo e produção, que preservam fontes naturais.
Estas não são soluções simplistas. Tampouco são suficientes mudanças em atitudes individuais de "consumidores", como comprar um outro tipo de carro, de lâmpada, etc. A maior responsabilidade pelo aquecimento global é justamente de grandes empresas que destroem as florestas e poluem o meio ambiente-as mesmas petroleiras, automotivas, agrícolas, entre outras, que pretendem lucrar com a bioenergia.
* Edivan Pinto e Marluce Melo são membros da Comissão Pastoral da Terra Regional Nordeste - CPT NE. Maria Luisa Mendonça é membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
Fonte: Agência Brasil de Fato (22/2/2007)
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